O período da ditadura no Brasil foi
marcado por construções faraônicas, obras que ainda hoje têm importância
estratégica
Por Robson
Rodrigues
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maio 2017, 13h38 - Publicado em 28 abr 2014, 16h47
Os militares fizeram a Revolução Industrial no
Brasil. O período de 1967 a 1979 foi marcado por construções faraônicas, obras
que ainda hoje têm importância estratégica, validadas pela propaganda ufanista
do “Brasil Grande”, e do “Ame-o ou deixe-o”. É inegável o avanço da
infraestrutura que criaram a partir do nada, mas quando o general João Baptista
Figueiredo saiu pelos fundos do Palácio do Planalto em 1985, encerrando o ciclo
de governos militares no país, o cenário era irreconhecível: na esteira do
desenvolvimentismo veio a estagnação econômica, a dívida externa e pesados
impactos ambientais.
Os presidentes militares criaram um modelo
econômico que mudou o país. Autoritário e pragmático, esse padrão tecnocrata
tinha o Estado como centro e a “eficiência técnica” como forma de administrar
empresas estatais. O comandante da economia na época, o ministro da Fazenda
Delfim Netto, conta que o desenvolvimentismo começou na década de 1950. “O
Brasil é o país que mais cresceu em toda a América Latina até hoje. Crescemos
7,5% ao ano durante 32 anos.”
PONTE RIO-NITERÓI
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A ponte que leva o nome do general Costa e Silva
foi um desafio para a engenharia nacional: tem o maior vão em viga reta
construído pelo homem e é a 13ª no mundo em extensão. Nos 13 km, por onde
trafegam 153 mil veículos por dia, a parte mais complexa foram os 9 km
erguidos sobre o mar, o que exigiu a perfuração do subsolo oceânico em busca
do terreno rochoso. Para Carlos Henrique, um dos engenheiros construtores da
ponte, uma obra como essa só poderia sair do papel na ditadura. “Eu credito
ao governo militar o ímpeto, audácia e ganância de materializar o projeto da
Ponte Rio-Niterói”. O sonho de fazer uma ligação entre as duas cidades
existia desde o Império.
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O resultado prático foi que em 1964 o Brasil era o
45º PIB do mundo e, 21 anos depois, pulou para a 10ª posição. A frase “O Brasil
vai bem, mas o povo vai mal”, do presidente Emílio Garrastazu Médici, foi dita
quando o PIB atingia 14% ao ano em plena campanha das grandes obras, mas o país
se corroía em meio a aumento da desigualdade social e pobreza. Os militares
promoveram uma entrada maciça de capital estrangeiro combinada com arrocho
salarial, o que resultou em elevados índices de crescimento econômico e
inflação baixa, colocando em prática a fórmula de Delfim Netto, de que era
preciso esperar o bolo crescer para só depois dividi-lo. “Não se pode distribuir
o que ainda não foi produzido a não ser tomando emprestado”, diz hoje Delfim,
ao explicar a frase dos anos 70.
Algumas das grandes obras do século 20 foram feitas
no Brasil, e o ano de 1969 marcou o início com a Ponte Rio-Niterói, ainda a
mais longa do Hemisfério Sul. Em 1974 veio a Hidrelétrica de Itaipu Binacional,
a maior geradora de energia do mundo, à frente da chinesa Três Gargantas, e a
Transamazônica.
ITAIPU E TUCURUÍ
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As hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí respondem
por quase um quarto da geração de energia do Brasil. Itaipu é a maior
geradora do mundo e abastece 50 milhões de residências. O diretor-geral da
binacional, Jorge Samek, destaca: “Geramos 98,6 milhões de megawatt/hora, o
suficiente para suprir o consumo de eletricidade do mundo por dois dias”. O
progresso costuma ter custos políticos, sociais e ambientais. Quando as
comportas de Itaipu fecharam para que o reservatório fosse alagado, a
natureza cobrou seu preço: em duas semanas o lago fez desaparecer as
cataratas de Sete Quedas, no Rio Paraná.
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“A marca do regime militar e do capitalismo
brasileiro era fazer uma propaganda ufanista com essas obras”, diz o
historiador da USP Marcos Napolitano. Em 1979, o Brasil triplicou a capacidade
da indústria siderúrgica com o projeto Grande Carajás, numa área de 900 mil
km², cerca de um décimo do território nacional. Os militares ainda começaram a
implementar redes de metrô nas grandes capitais e ampliaram a malha rodoviária
asfaltada de 3 mil para 45 mil quilômetros.
Mas a ideologia do Brasil Potência teve seus
tropeços. Um deles foi o polêmico projeto das usinas nucleares de Angra 1 e 2 –
hoje elas geram 1,57% da energia consumida do Brasil, de acordo com a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – e da hidrelétrica de Balbina, de 1973,
um monumento à estupidez idealizada na ditadura. Na época ela custou US$ 1
bilhão, inundou 2,36 mil km² de florestas nativas, criando um dos maiores lagos
artificiais do mundo. Seu potencial energético é de meros 250 megawatts. Com
pouco mais da metade da área do reservatório, Itaipu produz 56 vezes mais
energia.
A construção de Tucuruí, no Pará, em 1975, foi
marcada por escândalos de corrupção e prevaricação. A obra desalojou
comunidades, inundou enormes extensões de terra e destruiu a fauna e a flora
locais. A usina é a quarta maior geradora de energia do mundo e, segundo a
Eletronorte, foi feita para atender o polo mineral e metalúrgico do Pará. Um
relatório do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) apontou que
quase dois terços da energia vai para a indústria extrativista. Tucuruí e
Itaipu gastam perto de 15% de suas receitas com royalties compensatórios por
perdas ambientais e uso dos recursos hídricos. “Itaipu é exemplo de projeto
elaborado e implementado de forma condizente com as condicionantes ambientais
locais. Tucuruí e Balbina são empreendimentos onde os interesses energéticos
‘atropelaram’ questões ambientais”, diz o pesquisador do setor elétrico da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Guilherme de Azevedo Dantas.
TRANSAMAZÔNICA
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A rodovia tem 4 223 km e foi feita para levar 4
milhões de nordestinos que sofriam com o flagelo da seca a ocupar áreas pouco
povoadas do Norte do país. O presidente Médici, em 1974, cunhou até uma frase
de efeito para a missão da estrada: “Levar homens sem terra para uma terra
sem homens”. A rodovia atravessa sete estados, três ecossistemas (caatinga,
cerrado e floresta) e custou a vida de 8 mil índios, segundo a Comissão
Nacional da Verdade (CNV). Junto com a estrada também vieram as disputas
agrárias e ciclos econômicos de exploração irracional de recursos naturais.
Sem um estudo de viabilidade econômica, a maioria dos colonos desistiu de se
fixar na região. “A Transamazônica foi um erro produzido pela ignorância de
imaginar que a Amazônia fosse um território rico”, diz Delfim Netto. O
projeto original previa a fronteira com o Peru como ponto final. O último
trecho nunca foi construído.
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As obras de infraestrutura arrebanharam grandes
contingentes de trabalhadores. Itaipu teve mais de 40 mil homens no canteiro de
obras. A Ponte Rio-Niterói precisou de 10 mil operários; Tucuruí usou 7 mil
trabalhadores; e na Transamazônica outros 4 mil estiveram envolvidos na
construção da estrada. Para Marcos Napolitano, “a propaganda para legitimar
essas obras era eficiente, mas nunca houve preocupação ecológica nem com
condições de trabalho. As decisões eram pouco transparentes e tomadas pelos
conselhos de Estado, a população só era informada”. O ex-ministro Delfim Netto
discorda do acadêmico em alguns pontos. “Nunca houve intervenção militar na
administração pública, que era totalmente civil.”
Os anos 80 foram marcados pela escassez de
recursos, estagnação econômica e paralisação de obras. Os trabalhos de Tucuruí
foram reduzidos e Angra 3, paralisada. As rodovias Transamazônica e
Transpantaneira nunca foram concluídas nem tiveram estudo de viabilidade
econômica ou de impacto ambiental que justificasse as construções. Com o
segundo choque do petróleo, em 1979, Itaipu foi a única grande obra a
atravessar a fase mais aguda da crise com status de prioridade. “Não só o
Brasil, o mundo quebrou, porque era prisioneiro do petróleo”, afirma Delfim.
ANGRAS 1, 2 E 3
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Em 1967, o presidente Costa e Silva deu origem ao
polêmico projeto nuclear com a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto –
Angra 1, 2 e 3. As usinas trouxeram benefícios, mas também muitos temores.
Além de diversificar a matriz energética, elas não têm sazonalidade como as
hidrelétricas, estão instaladas perto dos centros consumidores e o país tem a
sexta maior reserva mundial de urânio. Angra 3 só retomou suas obras em 2008,
e quando for finalizada vai dobrar a capacidade instalada do Brasil. A
termonuclear se arrasta desde os anos 80 e seu custo atinge R$ 10 bilhões.
Após o acidente nuclear em Fukushima, no Japão, o país convive com o medo de
um desastre nuclear. “Vamos fazer uma avaliação nas usinas de Angra, assim
como os outros países também estão fazendo em suas usinas nucleares”, disse o
ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
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O país contraiu uma grande dívida externa (havia
dinheiro abundante no mercado financeiro mundial) e com ela veio a dependência
por mais dinheiro. Itaipu custou US$ 16 bilhões, e sua dívida só será paga em
2023; Tucuruí alavancou US$ 3,7 bilhões; as usinas de Angra 1 e 2 custaram,
segundo a Eletronuclear, R$ 1,468 bilhão e R$ 5,108 bilhões; a Ponte
Rio-Niterói, US$ 400 milhões, sendo US$ 88 milhões de empréstimo externo com a
condição de que o aço do vão central fosse comprado de empresas inglesas. “Foi
no governo Figueiredo que os juros aumentaram e que o país se complicou com a
dívida externa”, diz Napolitano.
Os militares construíram algumas das maiores
hidrelétricas do mundo: Itaipu, Tucuruí, Ilha Solteira e Jupiá. Investiram em
energia atômica e, em resposta ao primeiro choque do petróleo, criaram o
PróÁlcool, com subsídios para os produtores de cana. Tais escolhas deram ao
Brasil um dos três maiores potenciais instalados para a geração de energia
hidrelétrica, o domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio e a liderança
da produção de etanol, ao lado dos EUA. Mas reservatórios gigantescos
implicaram graves impactos ambientais, e as usinas de Angra ainda funcionam com
tecnologia da década de 1980. A Transamazônica segue ligando o nada a lugar
nenhum.
PERIMETRAL NORTE
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A BR-210 foi uma repetição histórica da tragédia
da Transamazônica. Planejada
em 1973, no auge do desenvolvimentismo econômico, a estrada passa pelas entranhas da Amazônia brasileira, desde o Amapá até a fronteira com a Colômbia. Seu traçado cruzou territórios indígenas e estima-se que cerca de 2 mil índios ianomâmis morreram em decorrência de epidemias de gripe, sarampo e tuberculose. Mais tarde, a propaganda do governo militar feita sobre o potencial mineral do território indígena desencadeou a instalação de garimpos ilegais, provocando mais destruição. |